quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Nelson Rodrigues e o “complexo de vira-latas”

Mesmo após 29 anos de sua morte, a expressão criada pelo escritor é muito usada no jornalismo atual

Por Natália Moraes

Nelson Falcão Rodrigues é considerado um dos maiores jornalistas, escritores e dramaturgos brasileiros. Porém, foi numa crônica que se imortalizou no futebol. Como colunista da revista Manchete Esportiva, escreveu, no dia 31 de Maio de 1958, a última crônica antes da estréia do Brasil na Copa do Mundo daquele ano. Disse que os brasileiros são perseguidos por um “complexo de vira-latas” que invalida as suas qualidades, expressão usada até hoje, além do futebol, nos mais diversos assuntos, como no apagão que atingiu várias cidades das regiões Sudeste, Sul, Centro-Oeste e Nordeste do Brasil do último dia 10.

Nascido em 1902, o pernambucano Nelson Rodrigues sempre foi apaixonado por futebol e pelo seu time de coração, o Fluminense. Freqüentava assiduamente o Maracanã, mas era incapaz de distinguir os jogadores. Precisava da ajuda de alguém que lhe contava o que estava acontecendo na partida. Apesar de não conseguir enxergar direito, o jornalista tinha um olhar metafórico sobre cada lance do jogo.

“Por ‘complexo de vira-latas’ entendo eu a inferioridade em que o povo brasileiro se coloca, voluntariamente, em face ao resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol”, afirmou.

A seleção brasileira perdera o título da Copa de 1950, em pleno Maracanã, por uma derrota de 2x1 para os uruguaios. Essa derrota ainda estava engasgada na garganta de muitos brasileiros. O Brasil voltar campeão da Copa da Suécia de 1958 seria o fato para amenizar essa dor e reavivar fé que estava escondida dentro de cada torcedor e jogador.

No contexto histórico, o Brasil era governado por Juscelino Kubitschek, que prometia 50 anos de progresso em cinco anos de mandato e, Brasília, a nova capital, estava sendo construída. A população passava por um momento de esperança de modernidade e desenvolvimento. A conquista do primeiro campeonato confirmaria esse otimismo.

O fim da história é conhecido: Brasil se consagrou campeão, vencendo os donos da casa por 5x2. Para Nelson, essa vitória representou a redenção de todo um povo. Ninguém mais tinha vergonha de sua condição nacional e o povo não se julgava mais como vira-latas. A vitória passou a influir na relação do brasileiro com o mundo.

O Brasil sempre teve o considerado melhor futebol do mundo. Mas, segundo o escritor pernambucano, o que atrapalhava era a frustração de 50 que causava o medo de uma nova desilusão.



Complexo de vira-latas no cenário atual

Nelson Rodrigues faleceu no dia 21 de dezembro de 1980, mas eternizou sua expressão “complexo de vira-latas”nos mais diversos setores do cenário brasileiro atual.

51 anos depois da célebre crônica de Nelson Rodrigues, entraremos numa década na qual o Brasil vai receber os dois maiores eventos esportivos mundiais. Em 2014, haverá a Copa, e em 2016, as Olimpíadas na cidade do Rio de Janeiro. Não faltaram críticas dizendo que o Brasil não vai conseguir superar os problemas de transporte, segurança e infra-estrutura para abrigar esses jogos, mostrando que o dramaturgo pernambucano estava errado quando afirmou que esse complexo deixou de existir.

No dia 08 de Outubro desse ano, o jornal Folha de S. Paulo publicou que o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, defende a adoção de um planejamento de longo prazo a respeito da estratégia nacional de defesa, um plano que prevê ações, ao longo de 20 anos, de modernização e ampliação dos elementos que compõem a defesa do território brasileiro. Jobim disse que o plano é "arrogante" do ponto de vista de que serve para acabar com o "complexo de vira-latas" do Brasil.

O apagão que ocorreu no último dia 10, também foi alvo de comparação ao complexo de vira-latas. O diretor-geral brasileiro de Itaipu, Jorge Samek, a fim de justificar a falha no sistema elétrico brasileiro, afirmou que “nenhum sistema é imune por duas razões bastante óbvias: primeiro, não controlamos a natureza; segundo, o engenho humano ainda não inventou um sistema capaz de operar com risco zero” e ainda completou dizendo que este incidente não pode reacender o nosso “complexo de vira-latas”. “A eficiência e qualidade do nosso sistema elétrico interligado é um dos motivos pelos quais o Brasil é cada vez mais admirado e reconhecido. Não precisamos, portanto, de divã para melhorar nossa auto-estima e superar definitivamente nosso complexo”.

Já o jornalista esportivo Robson Morelli do jornal O Estado de S. Paulo publicou em seu blog no dia 11 de Novembro que “esse complexo de vira-lata que o Corinthians adota em relação à contratação do argentino Roman Riquelme só faz diminuir o prestígio do clube brasileiro sem Libertadores”.

Cronista esportivo

Nelson Rodrigues escreveu crônicas esportivas que foram publicadas originalmente na revista Manchete Esportiva de 1955 a 1959 e no jornal O Globo, a partir de 1962. Nesse último, Nelson tinha uma coluna diária que, às segundas-feiras era intitulada de “Meu personagem da semana” e, nos demais dias “Às sombras das chuteiras imortais”.

Apesar de ser fluminense, em algumas crônicas o autor tratava das origens do Flamengo, louvando a raça da camisa rubro-negra. Falava que chegaria o dia em esse time não precisaria de técnicos, jogadores e técnicos. A sua camisa seria uma “bastilha inexpugnável”. Entusiasta do maior clássico do futebol brasileiro, Nelson deu destaque ao jogo dos rivais Flamengo e Fluminense. Em semana de Fla-Fu, o clássico dominava seus textos.

Nelson criava personagens, imagens e expressões. Por exemplo: o “Sobrenatural de Almeida” era o responsável pelo inexplicável no futebol. “Príncipe etíope” foi o apelido dado ao jogador de futebol Didi, pela sua calma e serenidade em campo. Já o jogador Amarildo, na definição de Nelson, era “o possesso”, devido a suas corridas em direção ao gol.

Suas expressões se eternizaram no futebol brasileiro, mas ainda hoje, 29 anos após sua morte, são utilizadas nos mais diversos assuntos.